Debate realizado pelo Observatório Direitos Humanos Crise e Covid-19 discutiu a situação de calamidade das prisões brasileiras e o papel do CNJ.

Na última sexta-feira (09), o Observatório Direitos Humanos Crise e Covid-19 realizou um encontro virtual para debater o aumento das violações de direitos que as pessoas privadas de liberdade vêm sofrendo nas penitenciárias brasileiras em decorrência da pandemia. Incomunicabilidade, fome e mortes por desnutrição, privação de água e outros insumos foram relatadas durante a conversa.

O encontro contou com a presença de Adriana Cruz – Juíza Titular da 5ª Vara Federal Criminal no Rio de Janeiro e membra do Observatório de Direitos Humanos do Poder Judiciário do CNJ, Irmã Petra Silvia Pfaller – Coordenadora Nacional da Pastoral Carcerária e Lucas Gonçalves também da Pastoral Carcerária.

Durante o debate, os convidados falaram sobre como o descaso e a negligência do Estado brasileiro vem intensificando as violações de direitos das pessoas em privação de liberdade.

Atualmente, a Covid-19 tem sido uma forma de adoecer as pessoas que vivem no cárcere, e de enfraquecer o combate à tortura. Além de serem mais vulneráveis ao vírus, por conta das comorbidades de doenças como a tuberculose, as pessoas que vivem nos presídios vêm sofrendo com as agressões físicas, falta de alimentos, remédios e insumos.

Além disso, a pandemia vem sendo utilizada como pretexto para que seja instaurada a política de incomunicabilidade dentro dos presídios. Segundo Irmã Petra, a incomunicabilidade está ligada aos casos de subnotificação referentes aos números de contaminados, vacinados e falta de testes. 

Por causa das medidas de restrição, desde março do ano passado os familiares não têm realizado visitas nos presídios. A única opção disponível para que os encarcerados tenham contato com a família é via chamada de vídeo com duração de três minutos e sujeita à censura.

“Sabemos que o presídio é uma máquina de moer corpos. Um lugar que prolifera doenças, afeta a saúde mental, principalmente em relação às mulheres que sofrem com a tuberculose e com a fome, por exemplo. A incomunicabilidade é uma forma de tortura terrível tanto para as pessoas que estão presas quanto para seus familiares. Se um filho, depois de quatro ou cinco meses sem comunicação, consegue falar com a mãe, em uma rápida chamada pelo Skype, e diz que está com fome ou doente, a ligação é interrompida”, destacou Irmã Petra.

Ao falar sobre os impactos da Covid-19 nos presídios, Lucas Gonçalves enfatizou as diretrizes do CNJ, como o desencarceramento, para mitigar os efeitos da pandemia no sistema prisional, mas o judiciário vem ignorando essa medida.

“O CNJ orientou os magistrados, mas essa racionalidade punitivista, que atravessa todos os espaços da sociedade, principalmente o judiciário, ainda existe. Consequentemente, o cárcere continua engolindo as pessoas, mantendo-as encarceradas”.

A Pastoral Carcerária realizou diversas denúncias internacionais sobre essas violações. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e Organizações das Nações Unidas (ONU) estão cientes da situação de calamidade que a população carcerária está vivendo, devido ao histórico de descaso e negligência do Estado brasileiro.

O papel do CNJ

O Conselho Nacional de Justiça não tem poder para atuar diretamente nas decisões jurídicas, mas segundo Adriana Cruz o CNJ vem promulgando resoluções para orientar a atuação do judiciário durante o enfrentamento da pandemia, como a realização das audiências de custódia e monitoramento dos casos e óbitos pela Covid-19 nos presídios brasileiros.

Mulheres

De acordo com relatório A pandemia da tortura do cárcere, publicado pela Pastoral Carcerária em 2020, a superlotação vem afetando a vida das mulheres encarceradas. Até 2019, 37 mil mulheres se encontravam em privação de liberdade, e a maioria são mães que estão longe dos filhos (as), jovens, negras, com baixa escolaridade, que poderiam estar respondendo por seus crimes em seus lares, reduzindo os riscos de transmissão da Covid-19 nas prisões.

Em março de 2020 foi registrado que, do total de mulheres presas (37,2 mil), 12.821 são mães de crianças de até 12 anos, 208 estavam grávidas e 4.052 possuíam quadro de doenças crônicas ou respiratórias. As doenças mais comuns entre as mulheres são hipertensão (2.452 casos), HIV (434 casos) e diabetes (441 casos).

A superlotação, as comorbidades das doenças e a falta de estrutura para gestantes e mulheres com deficiência revelam a ineficácia do sistema prisional nas ações de combate à Covid-19, e intensifica as violações de direitos que já existiam antes da pandemia.

LGBTI+

O estudo da Pastoral também traz informações sobre a situação da população LGBTI+. Segundo o documento, violências físicas, psicológicas e institucionais fazem parte da rotina das pessoas gays e travestis encarceradas.

Várias são as violações cometidas como o corte de cabelo de travestis e transexuais, o uso de gays e pessoas trans para o comércio ilegal de drogas, a impossibilidade de hormonização, estupro de homens gays e bissexuais e o tratamento desigual às mulheres lésbicas.

O abandono familiar também se faz presente. Semelhante à experiência de mulheres cisgênero nas unidades prisionais femininas, pessoas LGBTI+ recebem menos visitas, ou mesmo nenhuma, afetando a saúde mental de quem vive sob constante violência e solidão.

Além disso, a falta de alimentação e outros insumos fornecidos pela prisão e pelos familiares têm impacto na saúde dessas pessoas, gerando, um contexto em que tortura, abandono, desproteção e ausência de direitos estão intimamente conectados.