Em 2021 e início de 2022, as desigualdades de raça e gênero impactou a Segurança Alimentar (SA) de milhares de famílias brasileiras. Nos domicílios em que uma mulher era a pessoa responsável, o acesso aos alimentos estava reduzido, atingindo 64,1% de algum nível de insegurança alimentar (leve, moderada ou grave). Ao ser aplicado o recorte racial das pessoas responsáveis pelo domicílio, o percentual de famílias com dificuldade de acesso à alimentação adequada sobe para 65%.

No entanto, nas famílias chefiadas por pessoas brancas, o percentual de SA atinge 53,2%, indicando que o racismo no Brasil afeta a população negra, sobretudo as mulheres, de diversas formas, inclusive na falta de acesso ao direito humano básico a uma alimentação suficiente e de qualidade.

Enquanto na população negra houve um aumento de mais de 60% na proporção daquelas pessoas que convivem com a fome, dentre brancos esse aumento foi de 34,6%, comparando os resultados dos estudos realizados pela Rede PENSSAN em 2020 e 2022.

“Vivemos em uma sociedade cujos preconceitos de gênero e raça permanecem vivos nas pessoas, em suas ações e relações, com profundas marcas na desigualdade social e na violência que se manifesta nos corpos dessas mulheres”, afirma o relatório.

Fonte: II VIGISAN

Fonte: II VIGISAN

A segunda edição do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (II VIGISAN) foi divulgada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN). O estudo analisa dados coletados entre novembro de 2021 e abril de 2022, com 12.745 entrevistas em 577 municípios de todo o país. A Segurança Alimentar (SA) e a Insegurança Alimentar (IA) formam medidas pela Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia).

No final de 2020, 55,2% dos domicílios brasileiros estavam em condições de insegurança alimentar e 9,0% conviviam com a fome. Estes percentuais já mostravam um quadro preocupante de deterioração socioeconômica e profundas desigualdades na sociedade brasileira anterior à Covid-19 e recrudescida pela pandemia.

Em 2021, com o desemprego elevado, a precarização do trabalho, a perda de direitos sociais e a queda do poder aquisitivo, além das milhares de mortes pela Covid-19, a situação da sociedade brasileira agravou bastante, somados aos desmontes de políticas públicas e das instituições, como já denunciados pelo Observatório de Direitos Humanos, Crise e Covid-19, impactando nos direitos sociais, econômicos e ambientais e afetando, sobretudo, o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e agravado com a extinção dos Programas de Aquisição de Alimentos (PAA) e Bolsa Família (PBF), além da má gestão do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Em 2020, 19 milhões de brasileiros viviam em situação de fome e no início de 2022 este número subiu para 33, 1 milhões de pessoas.

De acordo com a pesquisa, a Covid-19 tirou a vida em 6,1% das famílias brasileiras e em 42, 5% delas a vítima contribuía com as despesas domiciliares, provocando o agravamento das situações de vulnerabilidade. A soma dessas condições levou ao endividamento de 38,2% das famílias e à necessidade de cortes em despesas essenciais em 57, 1% dos domicílios. O estudo ainda mostra que esses indicadores de pobreza e suas consequências são piores nas regiões Norte e Nordeste e nos domicílios rurais do país.

Agravamento no acesso à alimentação de acordo com os indicadores socioeconômicos

As evidências apresentadas pela pesquisa revelam um preocupante agravamento da insegurança alimentar em um contingente expressivo da população brasileira, iniciado pela crise econômica e desestruturação de políticas públicas nacionais, desde 2016, e acentuado pela pandemia de Covid-19. Soma-se a esse cenário, a persistência de opções governamentais pautadas pelo falso dilema entre economia e saúde.

O Relatório não apenas confirma as tendências já apontadas em investigações anteriores, mas deixa evidente as interfaces entre a deterioração das condições alimentares e as demais dimensões de um contínuo processo de empobrecimento e vulnerabilidade social de ampla parcela da população brasileira.

Outros fatores também afetaram o acesso à alimentação no período da pandemia como a escolaridade do responsável pelo domicílio, a dinâmica financeira das famílias, o acesso às políticas públicas e ao apoio social, por exemplo.