Mais de 1 bilhão de pessoas viviam com algum transtorno mental ou causado pelo uso de substâncias antes da pandemia. Mais da metade eram mulheres.

Com este dado alarmante, o relatório Esgotadas: o empobrecimento, a sobrecarga de cuidado e o sofrimento psíquico das mulheres, realizado pela organização Think Olga, traça o Panorama da saúde mental feminina, O que está adoecendo as mulheres e Quem cuida das mulheres?

Como base para o relatório, 1.078 mulheres, de 18 a 65 anos, foram entrevistadas em todos os estados do Brasil, entre os dias 12 e 26 de maio de 2023, e foram questionadas sobre os aspectos da vida que têm gerado sofrimento e insatisfação atualmente e de que forma cuidam da própria saúde mental.

Quase metade das entrevistadas, ou seja 45%, possuem um diagnóstico de ansiedade, depressão ou algum tipo de transtorno mental. O resultado foi que a ansiedade afeta 6 em cada 10 mulheres brasileiras. Dentre as causas mais agravantes estão a situação financeira apertada, as dívidas, a remuneração baixa e a sobrecarga de trabalho.

Quando perguntadas sobre a satisfação em algumas áreas da vida como as relações amorosas, relações familiares, relação consigo mesma/autoestima, relação com a comunidade/amizades, saúde emocional, relação com o trabalho, situação financeira e a capacidade de conciliar diferentes áreas da vida, as entrevistadas responderam que não estão minimamente satisfeitas em nenhuma área da vida.

“É essencial incorporar a perspectiva de gênero – e suas interseccionalidades com raça, classe e outras diferenças – e entender como elas influenciam as relações sociais e as condições de saúde mental tanto das mulheres quanto dos homens, uma vez que os transtornos e o sofrimento vivenciado por eles podem significar mais violência, mais sobrecarga e mais vulnerabilidade para elas”, afirma o relatório.

A metodologia utilizada na pesquisa é composta por entrevistas com mulheres em todo o Brasil e dados, estudos e a opinião de quatro especialistas para desvendar as estruturas sociais que impõem sofrimento e podem contribuir para o adoecimento das mulheres.

Impacto da pandemia

A pesquisa revela que com o isolamento, as incertezas, a instabilidade econômica, o medo, o luto e um sofrimento intenso ao redor do mundo, a pandemia teve um enorme impacto na saúde mental de milhões de pessoas.

“Essas mulheres negras, […] tiveram que dar conta da irritação desses maridos desempregados que passaram a ficar em casa com seus filhos, tiveram que dar conta dos processos de adoecimento dos seus filhos nesse período e elas tiveram que fazer isso muitas vezes em casas pequenas, com pouco espaço de vazão para poder respirar, elas tiveram que segurar as agressividades e violências decorrentes de toda essa redução de espaço, elas tiveram que se tornar professoras. Elas tiveram que lutar para fazer todo mundo acreditar naquilo que elas também não acreditavam que era: nós vamos ficar vivos. Isso demanda muito gasto energético, muito gasto psíquico […] Só que a conta começou a chegar e aí nós estamos encontrando mulheres extremamente cansadas num período que os seus filhos precisam recomeçar a acreditar na vida que os seus maridos estão retomando o mercado de trabalho e elas estão esgotadas”, declara Debora Elianne de Souza, psicóloga no projeto social Vivencer.

O agravamento do sofrimento psíquico gerado pela pandemia evidenciou a necessidade e a urgência de se falar sobre o assunto.

De acordo com a psicóloga Juliane Callegaro Borsa, “a questão socioeconômica é uma variável importantíssima quando a gente fala de saúde mental, pois quanto maior a vulnerabilidade socioeconômica, maior a vulnerabilidade emocional e vulnerabilidade em saúde mental.”

Sobre este tema, a chamada feminização da pobreza é um fenômeno global: mais de 70% das pessoas que vivem em situação de pobreza no mundo são mulheres, segundo dados da ONU. No Brasil, este fenômeno não pode ser dissociado dos recortes de raça e região do país onde vivem as mulheres mais pobres.

O relatório traz um estudo da FGV social, de 2022, que revela que a acentuação da feminização da fome no Brasil durante a pandemia saltou de 33% em 2019, para 47% em 2021. Sendo as mulheres as principais ou únicas provedoras em 30% dos lares.

De acordo com o relatório, as principais provedoras são negras, das classes D e E e com mais de 55 anos.

“As mulheres chegaram sobrecarregadas em 2020 e as mulheres continuam sobrecarregadas em 2023. A sobrecarga é uma das principais razões, senão a maior, do adoecimento das mulheres e da busca por ajuda e por cuidado em termos de saúde mental”, afirma a psicóloga Juliane Callegaro.

O relatório finaliza com uma série de sugestões de ações individuais, da sociedade civil e dos setores público e privado voltadas para a saúde mental das mulheres e também para as questões da sobrecarga, da pobreza e do cuidado que precisam ser consideradas por toda a sociedade.

Leia a pesquisa completa aqui https://lab.thinkolga.com/esgotadas/