Com o início da pandemia da Covid-19 no Brasil, uma série de medidas sanitárias foram tomadas para conter o avanço do vírus no país. Mesmo diante da postura do presidente da República, que negou a gravidade da pandemia e criticou as medidas de prevenção e enfrentamento à sua propagação, a partir de março de 2021 foram adotadas em todo o país providências para impedir a ampliação da doença, como fechamento de lugares públicos, limitação da circulação de pessoas por meio de medidas de restrição de mobilidade e o distanciamento social, apontados como meios essenciais para lidar com a doença e para conter a sua expansão.
Ocorre que, embora do ponto de vista sanitário tais medidas fossem absolutamente essenciais, elas geraram, por outro lado, consequências adversas para os mais diferentes âmbitos da vida social. A suspensão das aulas – sobretudo de crianças e adolescentes – e a interrupção de atividades econômicas e de atividades sociais fundamentais geraram efeitos bastante negativos no conjunto da população e, em especial, entre os se- tores sociais mais pobres e excluídos.
No campo da educação, o Ministério da Educação (MEC) autorizou a substituição das aulas presenciais pelo modelo remoto para instituições do ensino superior e para toda a educação básica, o que fez com que crianças, adolescentes e jovens de todo o país passassem a estudar dentro de suas próprias casas através de aulas virtuais3. Os estados e municípios adotaram medidas semelhantes em relação às redes de ensino sob o seu comando e toda educação, pública e privada, foi interrompida na forma presencial. As consequências dessas mudanças, absolutamente necessárias – frisamos mais uma vez – foram, a um só tempo, no entanto, amplas e perversas.
As pesquisas realizadas no período apontaram que com a adoção do mo- delo remoto, houve perdas significativas no aprendizado dos alunos, aumento dos índices de evasão escolar, redução dos anos de escolaridade e cresci- mento das desigualdades educacionais, uma vez que uma parcela significativa dos estudantes não possui as condições econômicas necessárias para estudar dentro de suas casas (Undime, 2021; Todos pela Educação, 2021).
Desse modo, os principais afetados pelas mudanças na educação durante a pandemia foram crianças, adolescentes e jovens pobres e negros. Desprovidos dos meios de sustento materiais que permitem o acesso e usufruto de bens e serviços, como ter um computador ou possuir acesso à internet, esse público enfrentou muitas dificuldades para conseguir estudar neste período (Venturinni et al, 2020). Acrescente-se a isso, as condições de moradia em que vivem os estudantes mais pobres, caracterizada em geral por espaços limitados e inapropriados para estudar, além de um maior número de pessoas vivendo integralmente dentro das casas e as maiores dificuldades financeiras vivenciadas no período.
Além disso, segundo avaliação de especialistas, as ações do Ministério da Educação (MEC) no contexto da pandemia foi marcada pela ausência de políticas públicas voltadas a atender as demandas e necessidades dos estudantes e profissionais da educação, que aumentaram consideravelmente no período, e por uma intensa desorganização na gestão da pasta, caracterizada por mudanças constantes de gestores em cargos estratégicos (Todos pela Educação, 2021) e por iniciativas do governo federal no sentido de sabotar o combate à pandemia.
Diante desse cenário desolador vivido pela educação brasileira, organizamos a presente publicação com os seguintes objetivos:
- apresentar, a partir das pesquisas e estudos realizados por organizações da sociedade civil e do campo dos direitos humanos, os principais impactos da pandemia no campo da educação pública;
- analisar a gestão federal em relação à educação básica na pandemia a partir da análise de dados disponibilizados no site do MEC e também por meio de dados e informações solicitados pela equipe de pesquisa do Observatório via lei de acesso à informação.
Assim, pretendemos não apenas apontar os desafios enfrentados pelos atores que compõem o campo da educação pública durante a pandemia – sobretudo as dificuldades enfrentadas pelos estudantes pobres e negros – mas também realizar uma análise sobre como as ações desenvolvidas (ou a ausência delas) pelo Governo Federal, através do Ministério da Educação, contribuíram para o agravamento do problema no país.