As múltiplas ações de erosão democrática vividas no Brasil nos últimos anos acelerou processos estruturais de violência e desigualdade que marcam a história da sociedade brasileira. O fomento ao ódio e à violência por parte do presidente da República, as disputas entre os poderes e entre as esferas federativas, a interrupção de longos ciclos de políticas públicas e o desfinanciamento das políticas sociais produziram a maior e mais grave crise de toda a história brasileira pós 1988 articulando uma forte recessão econômica com acentuada crise social e aumento das desigualdades.

Como já apontamos no estudo sobre Serviços Públicos publicado pelo Observatório no segundo semestre de 2020, a pandemia radicalizou os contextos de exclusão que o país já experimentava constituindo um cenário de várias frentes de segregação e violência. Mulheres, negras e negros, povos e comunidades tradicionais, pessoas com deficiência, pessoas LGBTQIA+ e demais grupos sociais historicamente excluídos foram expressivamente afetados pela política de desmonte dos serviços públicos.

A educação, a saúde e a política de segurança alimentar são talvez as áreas em que mais flagrantemente se identifica o peso da pandemia no agravamento das desigualdades. Nestes três segmentos verifica-se como a atuação do governo federal, associada às estruturais deficiências das políticas públicas, produzem significativos impactos nos direitos sociais e desafios em termos de luta no campo da defesa dos direitos humanos.

Em resumo, pretendemos mostrar neste informe o avanço do quadro de desmantelamento dos serviços públicos no contexto da pandemia e os indicadores de como tal cenário tem importado em violações de direitos humanos, sobretudo de negras e negros, povos e comunidades tradicionais, mulheres e pessoas LGBTQIA+.

No campo da educação, a falta de conectividade de estudantes e professores, as desigualdades no acesso às tecnologias da informação e da comunicação, o quadro instável de evasão e abandono escolar somaram-se ao processo crescente de subfinanciamento das políticas do setor e de descoordenação por parte do governo federal que são perigosos hiatos para as aprendizagens de crianças, adolescentes e jovens brasileiros nos próximos 30 anos. É urgente estruturar uma revisão das metas do Plano Nacional de Educação à luz dos efeitos da pandemia e prever no PPA 2024 – 2027 recursos específicos para corrigir distorções no sistema educacional e enfrentar as desigualdades.

No mesmo sentido, a área da saúde, principal afetada pela pandemia, também carece de um planejamento que corrija o subfinanciamento das políticas, invista em atenção básica e prevenção e enfrente o tema das desigualdades. A questão da imunização e da significativa queda das taxas de vacinação são um trágico exemplo de como a descoordenação das políticas pode ter efeitos explosivos na oferta e prestação de serviços públicos. É fundamental reverter esta tendência negativa e reorientar os investimentos em políticas de saúde pública com foco na atenção integral e no cuidado com os que se encontram em maior situação de vulnerabilidade.

Já no que tange à situação alimentar e nutricional, a volta do Brasil ao mapa da fome exige ao mesmo tempo atenção no campo do fortalecimento das políticas para agricultura familiar e engajamento por meio de políticas sérias de transferência de renda combinadas com estímulo à economia e geração de emprego e renda. O desmonte da política nacional de assistência social e a substituição de uma estratégia nacional de apoio às pessoas em situação de extrema pobreza por um mero programa de auxílios (sem garantias orçamentárias e sem contrapartidas por parte dos beneficiários) produziu o mais dramático apagão de dados públicos sobre a situação social das famílias no Brasil e gerou uma total desarticulação das políticas de desenvolvimento social em estados e municípios.

Tal cenário desenha uma agenda de mobilizações e lutas que passa, simultaneamente, pela discussão sobre financiamento das políticas públicas, reconstrução da estrutura institucional do país com retomada da agenda de expansão de direitos e do papel do Estado na garantia de comida, educação, trabalho e saúde para toda a população e, ao mesmo tempo, por uma séria empreitada para retomada do papel do país no contexto internacional. Em termos políticos, é preciso posicionar as restrições impostas pela pandemia no contexto estrutural de violações já vivenciado no país e, neste sentido, inaugurar um ciclo de lutas políticas que reconstrua aquilo que foi desmontado, mas também que avance no campo da garantia de direitos e da participação social.