Passado quase um ano de pandemia, a pergunta ainda permanece: Quais os impactos da crise provocada pela Covid-19 na vida das mulheres brasileiras?
8 de março é o Dia Internacional das Mulheres, e em tempos de crise é necessário voltarmos nossos olhares para a situação de vulnerabilização em que elas se encontram.
As mulheres são as mais afetadas pela pandemia. São elas que ocupam cargos mais precários ou informais no mercado de trabalho, também, devido ao machismo, precisam lidar com as tarefas de casa, da economia doméstica, dos filhos e ainda prezar pela saúde de todos.
“Cuidar é um trabalho duro, árduo, emocionalmente exigente, tenso, que sobrecarrega muito mais as mulheres do que os homens. Por isso, uma pandemia como a do Coronavírus também nos coloca diante da necessidade da coletividade e da necessidade de repensar a vida em sociedade.” Cfemea.
Em nossa pesquisa “Serviços Públicos e Direitos Humanos no contexto da pandemia no Brasil”, publicada em outubro do ano passado, constatamos que a execução de recursos voltados para a política das mulheres foi baixa. De acordo com o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), dos quase 20 milhões autorizados para a construção das casas da mulher brasileira, nenhum recurso foi gasto, e conforme dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC), em 2018, apenas 134 municípios brasileiros (2,41%) contavam Casa(s)-Abrigo e apenas 1.163 municípios possuíam serviços especializados.
2020 e pandemia
Até 2020, no mundo, as mulheres representaram 70% das pessoas que trabalharam na linha de frente do combate à pandemia, como enfermeiras, parteiras e faxineiras. Já no Brasil, esse número sobe e elas ocuparam 85% do setor de enfermagem, considerando enfermeiras, técnicas e auxiliares.
É importante ressaltar que profissões como enfermagem e trabalho doméstico são desvalorizadas e mal pagas, sendo ocupadas, em sua maioria, por mulheres negras.
As mulheres negras estão na base do funcionamento da saúde pública no Brasil, dessa forma, estão mais expostas ao risco de contágio do vírus, a precárias e exaustivas jornadas de trabalho, à solidão e ao assédio moral. Além disso, também passaram a se ocupar, ainda mais, das atividades de cuidado no âmbito doméstico.
A permanência do trabalho doméstico feminino e negro é ilustrada pelos indicadores de participação de gênero e raça. Em 2018, segundo informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do total de 6,23 milhões exercendo a profissão, apenas 457 mil eram homens e 5,77 milhões eram mulheres, ou seja, elas representam 92,7% da categoria.
Violência de gênero e desemprego
No ano passado, o número de denúncias contra violência às mulheres, feitas pelo canal Ligue 180, aumentou 34% em relação ao mesmo período de 2019. Esse aumento representa o agravamento da situação de vulnerabilização em que as mulheres se encontram e, ao mesmo tempo, a falta de acesso a serviços públicos voltados para políticas das mulheres é grave.
De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre março e abril de 2020 houve um aumento de 22% nos casos de feminicídio em 12 estados do Brasil. A situação do Acre é a mais alarmante, com um aumento de 300%.
Em relação às políticas públicas para mulheres, segundo matéria publicada pela Gênero e Número, apesar do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos dizer que em 2020 foram investidos R$ 106 milhões em políticas para mulheres, o valor efetivamente gasto foi muito menor: apenas dois milhões. Fica evidente o projeto de desmonte que está, cada vez mais, se efetivando no Brasil.
Proporcionalmente, a taxa de feminicídio no país cresce. No nordeste, entre março e abril de 2019 e março e abril de 2020, o Maranhão registrou aumento de 133,33% seguido de Pernambuco com 37,5% e Ceará com 33,33%. Tudo isso somado à falta de transparência e subnotificações.
Em entrevista ao portal Amazônia Real, Flávia Melo, criadora do Observatório da Violência de Gênero da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) denuncia que essa negligência ocorre desde antes da pandemia.
“[…] Isso ajuda a gente a entender a dificuldade de mapear os dados no momento da pandemia. Mas não é uma situação que surge da pandemia; isso é uma situação de invisibilidade e negligência contra as mulheres, que sofrem violência, e que se arrasta por muito tempo”.
No debate sobre o desemprego, as mulheres também são as mais afetadas. De acordo com dados do Panorama Laboral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na América Latina, a crise provocada pela pandemia da Covid-19 deixou 13 milhões de mulheres desempregadas. E no Brasil, o número de desempregados chega a 14 milhões, sendo que, entre as mulheres a taxa de desemprego é de 17,2% maior que a dos homens, em que 11,9% estão sem emprego.
O Auxílio Emergencial é a principal ação de assistência social no contexto da pandemia, em especial para as mulheres negras e chefes de família. De acordo com dados da PNAD Covid, do IBGE, a renda das famílias chefiadas por homens brancos é 2,5 vezes maior que a das famílias onde as mulheres são as maiores responsáveis pela economia da casa. Sem o Auxílio, como é que elas pagam as contas básicas e colocam comida na mesa?
Mulheres trans
Ao falarmos das mulheres trans, não podemos nos esquecer que o Brasil é o país que mais mata pessoas transsexuais no mundo. Durante a pandemia, houve aumento de 41% em comparação com 2019 e a maioria assassinadas foram as mulheres trans negras, conforme dossiê publicado pela Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra).
Por conta do preconceito e negação dos seus corpos na sociedade, as mulheres trans vêm sofrendo com as poucas oportunidades de inserção no mercado de trabalho e, por conta disso, acabam recorrendo à prostituição.
Em relatório anual de dados, a plataforma online TransEmpregos registrou aumento de 315% (22.537) nos cadastros, e dos currículos apurados, apenas 29% eram de mulheres, enquanto os homens ocuparam o primeiro lugar, com 47%.
Desafios para 2021
A pandemia expôs, de forma muito clara, que as questões relacionadas ao trabalho e ao cuidado precisam ser repensadas em nossa sociedade. Essa situação diz respeito à sobrecarga que recaiu, ainda mais, sobre as mulheres, principalmente as mulheres negras e pobres.
Vimos o isolamento social e a quarentena trazer a ampliação do desemprego, da violência doméstica e o crescimento do número de feminicídios no país.
É a partir de uma reflexão sobre essas dimensões e os impactos da pandemia que agravaram a situação de vulnerabilização das mulheres, principalmente negras e pobres, que queremos construir perspectivas para 2021.
Seguimos na luta para mitigar os efeitos da pandemia em nosso país. Repudiamos as ações do atual governo, que visam exterminar a população brasileira de uma forma tão violenta e cruel, e reforçamos que para sair da crise e salvar vidas é importante a permanência do Auxílio Emergencial, aceleração no processo de vacinação no Brasil e fortalecimento dos serviços públicos no país, sobretudo, da saúde pública.