Em abril de 2021 foi instaurada, no Senado Federal, a CPI da Covid para investigar as ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia no Brasil. Desde então, brasileiras e brasileiros vêm acompanhando as sessões de uma investigação que pode mudar os rumos da política brasileira durante a crise da Covid-19.
Para esclarecer dúvidas sobre o assunto, produzimos este artigo com o intuito de facilitar o entendimento sobre a investigação que, segundo pesquisa realizada pela revista Exame, em parceria com Instituto Ideia, é apoiada por 59% dos brasileiros.
Por que a instauração de uma CPI na pandemia é importante?
É certo que a pandemia veio para agudizar as violações de direitos no dia-a-dia do povo brasileiro, e não podemos nos esquecer que o alto índice de mortes e infectados, o colapso em setores como na saúde, educação e pesquisa, fazem parte de uma política negacionista que visa o desmonte das instituições públicas e o extermínio da população, principalmente entre os grupos vulnerabilizados.
Conforme publicamos em nosso informe Perguntas (sem respostas) sobre a atuação do governo federal no contexto da pandemia da Covid-19, o governo Bolsonaro mantém a política do negacionismo, impedindo que a sociedade conheça o que acontece na gestão do recurso público federal.
O Brasil ultrapassou a marca de 430 mil vidas perdidas pela Covid-19. A pandemia vem sendo utilizada como um artifício para que o governo coloque em prática seu plano genocida, atingindo a população negra e pobre, mulheres, indígenas, quilombolas e LGBTI+.
Hoje, a situação é mais grave do que era há um ano. Em 2021, o país bateu recordes de mortes diárias, o índice de pessoas passando fome ou em situação de insegurança alimentar cresceu, presenciamos a calamidade no Amazonas devido à falta de oxigênio nos hospitais e faltam doses dos imunizantes para que a população seja vacinada.
Inúmeras são as violações de direitos e as perguntas precisam ser respondidas.
Por que o governo federal boicotou a política de isolamento social e buscou limitar as ações dos governos estaduais e municipais na restrição da circulação nas cidades?
Faltou vacina no mercado internacional ou faltou empenho do Brasil na compra junto
aos laboratórios dos outros países?
Por que o Brasil não construiu um rastreamento do vírus desde os primeiros meses da pandemia?
Quais foram os fatores para ocorrência do colapso da saúde no Estado do Amazonas?
A CPI da Covid foi instaurada para averiguar as omissões do governo federal nos efeitos devastadores da pandemia no país, e as expectativas da sociedade é que ela responsabilize os culpados pelos descabidos e evitáveis números de mortes, pelos flagrantes ataques à política brasileira de saúde pública, que resultaram num incremento do número de mortes e na precarização de serviços públicos essenciais. A partir da investigação, surge a oportunidade de propor saídas para a situação de calamidade que estamos vivendo.
Mas você sabe o que é uma CPI e quais suas funções?
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que está prevista na Lei 1.579, de 1952, é um instrumento constitucional utilizado por deputados e senadores para investigar acontecimentos relevantes para o país.
Quem compõe
Uma CPI pode ser criada por senadores, por deputados ou os dois em conjunto, no último caso, é chamada de CPI mista. Em todos os casos é necessário que o requerimento para abertura de uma investigação seja assinado por um terço dos membros: 27 senadores e 171 deputados.
A CPI da Covid é composta pelos seguintes senadores:
– Omar Aziz (PSD-AM) – Presidente
– Randolfe Rodrigues (Rede-AP) – Vice-presidente
– Renan Calheiros (MDB-AL) – Relator
Membros Titulares
– Jorginho Mello (PL-SC)
– Eduardo Girão (Podemos-CE)
– Marcos Rogério (DEM-RO)
– Ciro Nogueira (PP-PI)
– Humberto Costa (PT-CE)
– Otto Alencar (PSD-BA)
– Tasso Jereissati (PSDB-CE)
– Eduardo Braga (MDB-AM)
Membros Suplentes
– Jader Barbalho (MDB-PA)
– Luis Carlos Heinze (PP-RS)
– Angelo Coronel (PSD-BA)
– Marcos do Val (Podemos-ES)
– Zequinha Marinho (PSC-PA)
– Rogério Carvalho (PT-SE)
– Alessandro Vieira (Cidadania-SE)
Cada senador possui um perfil que se aproxima mais do governo ou da oposição. Para saber mais, acesse.
Tempo
O cronograma de execução do trabalho depende do tempo protocolado pela Comissão e pode ser prorrogado. No caso da CPI da Covid, o prazo inicial é de 90 dias. Em 20 de maio, o presidente da Comissão, Omar Aziz, afirmou que pedirá ao relator, Renan Calheiros, que elabore até o final do mês um relatório parcial dos trabalhos de investigação, sistematizando o que já foi possível apurar até o momento.
Atividades realizadas
A legislação permite que uma CPI pode:
– Interrogar uma testemunha, que tem o compromisso de dizer a verdade. Mas na CPI da Covid vemos que os depoimentos contém mentiras. Foi o caso das falas do ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação (Secom), Fabio Wajngarten, ao mentir sobre as críticas feitas ao governo Bolsonaro.
– Ouvir suspeitos, que têm o direito de ficar em silêncio diante das perguntas. Em 19 de maio, o ex-ministro da saúde, Eduardo Pazuello, prestou depoimento na CPI mas utilizou o habeas corpus, concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como estratégia para não responder às perguntas que, obviamente, o responsabilizam pela má gestão da saúde no enfrentamento da pandemia. Além disso, Pazuello também mentiu em seu depoimento.
– Prender, em caso de flagrante de delito. Fábio Wajngarten mentiu em seu depoimento, fazendo com o que o relator da CPI, Renan Calheiros, sugerisse sua prisão, porém, o presidente da Comissão, Omar Aziz, negou o pedido.
– Requisitar, direta ou indiretamente, arquivos e documentos da administração pública.
– Colher depoimentos de autoridades e ministros de Estado.
– Requisitar servidores de outros poderes para auxiliar nas investigações .
– Quebrar sigilo bancário, fiscal e dados. O Senador Alessandro Vieira solicitou, na quarta-feira (19), a quebra de sigilos telefônico, fiscal e bancário de Pazuello. Além de ser investigado pela negligência e omissão, o ex-ministro da saúde também é alvo de denúncias sobre a contratação, sem licitação, de empresas para reforma de galpões do Ministério da Saúde em plena pandemia, que já vitimou mais de 430 mil vidas.
As Comissões Parlamentares de Inquérito não podem:
– Julgar ou processar. Apenas investiga os fatos.
– Protocolar medidas cautelares, mandados de busca e apreensão.
– Determinar interceptação telefônica.
De acordo com a Lei 1.579, a Comissão da investigação deve encaminhar o relatório final ao Ministério Público (MP) ou à Advocacia Geral da União (AGU), para que os respectivos órgãos promovam a responsabilidade civil ou criminal dos investigados, segundo definição estabelecida no Artigo 58 da Constituição Federal de 1988.
Como está o andamento da CPI da Covid?
Até o momento, prestaram depoimentos:
– Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich- Ex-ministros da saúde
– Marcelo Queiroga – Atual ministro da saúde
– Antonio Barra Torres – Diretor-presidente da Anvisa
– Fabio Wajngarten – Ex-chefe da Secretaria de Especial de Comunicação Social (Secom) do governo Bolsonaro
– Carlos Murillo – Gerente-geral da Pfizer na América Latina
– Ernesto Araújo – Ex-ministro das Relações Exteriores
– Eduardo Pazuello – Ex-ministro da saúde
“Como é que vai investigar, cumprir seu papel constitucional, se há omissão, se há responsabilidade de um governo, de um presidente da República, sem começar juntando as frases e suas manifestações públicas? Não há como começar diferente”. Relator da CPI da Covid, Renan Calheiros sobre as inúmeras falas negacionistas de Bolsonaro em relação à pandemia no Brasil.
Quais os próximos passos da CPI da Covid?
No dia 25 de maio está previsto o depoimento de Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde na gestão Pazuello. Este depoimento é muito importante, pois, segundo o próprio ex-ministro Pazuello, foi ela quem sugeriu a criação do TratCov, o aplicativo criado pelo Ministério da Saúde que, mesmo sem comprovação científica, recomendava a médicos o uso de cloroquina em casos de diagnósticos da Covid-19.
Também já foram aprovadas as convocações de Antônio Elcio Franco Filho, Secretário Executivo do Ministério da Saúde na gestão Pazuello, Marcellus José Barroso Campêlo, Secretário de Estado de Saúde do Amazonas e Jurema Werneck, representante do Movimento Alerta e diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil. Estes depoimentos deverão aprofundar o esclarecimento das responsabilidades do governo no agravamento da pandemia e na precarização dos serviços de saúde.
Será especialmente significativo o depoimento de Jurema Werneck, que será a primeira representante da sociedade civil convocada pela Comissão, e por isso poderá contestar os dados oficiais e indicar análises e denúncias da parte dos movimentos sociais e dos grupos especialmente atingidos pela pandemia.
A CPI é uma oportunidade histórica para passar a limpo uma das maiores tragédias já vividas pelo Brasil. O descaso do governo federal com a vida e com a execução básica das políticas sociais, em especial da política de saúde, é algo jamais visto na história do país e precisa ser analisado pelo Parlamento, pelas autoridades judiciais, pela comunidade científica e por organizações da sociedade civil. É muito importante que se registre e apure o que está acontecendo, e que se identifique o que ainda pode ser feito para mudar os rumos desta tragédia.
Para Felipe Freitas, doutor em direito pela Universidade de Brasília e pesquisador do Observatório Direitos Humanos Crise e Covida-19, a CPI da Covid é um instrumento valioso para investigar a cadeia de comando das políticas de morte que estão sendo empreendidas no país.
“É preciso atribuir as responsabilidades a todos os envolvidos. Não é possível que o país assista inerte a um quadro de mais de 430 mil mortes, muitas delas plenamente evitáveis. A pressão social e o monitoramento permanente do trabalho da CPI é uma peça fundamental para os seus efetivos resultados. Por outro lado, é importante que a sociedade – e os membros da oposição na CPI – não se deixem levar pelas estratégias do governo ao tentar dificultar as investigações e impedir o avanço da investigação. A tática é simples e conhecida. A bancada do governo apresentou requerimentos dispersos, sobre vários temas diferentes, e fica confundindo a população com informações falsas que dificultam o entendimento das pessoas sobre o que está sendo debatido.Nas primeiras três semanas de trabalho da Comissão, os senadores Eduardo Girão, Jorginho Mello, Marcos Rogério e Ciro Nogueira – líderes da tropa de choque do governo – usaram e abusaram das técnicas parlamentares para confundir e atrapalhar. Os senadores entraram em rota de colisão permanente com o relator, senador Renan Calheiros, judicializaram vários aspectos do funcionamento parlamentar básico, apresentaram questões de ordem sem motivo e requerimentos que desviam o foco da investigação. Ao invés de apurar as ações e omissões do governo federal, que é o principal responsável pela tragédia na gestão da pandemia, os senadores do governo tentam falar de governos estaduais, criar mistificações sobre processos ordinários de transferência de recurso através do Sistema Único de Saúde e polemizam temas já conhecidos, como o tratamento precoce e o uso indevido da cloroquina”.
Até o presente momento, várias questões já podem ser afirmadas e foram comprovadas pelos depoimentos e documentos entregues à comissão. Tais questões permitem-nos dizer que:
– Não houve política de testagem em massa no país o que adiou a tomada de medidas essenciais para a preservação de vidas humanas no primeiro momento da pandemia.
– A conduta do Presidente da República e do Ministério da Saúde, promovendo aglomerações, recusando o uso de máscaras e estimulando o retorno irresponsável de todas as atividades econômicas, são responsáveis pelo aumento do número de contaminados e mortos durante a pandemia,
– A Pfizer tentou vender a vacina ao governo brasileiro e não contou com o diálogo do Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e do Presidente. Durante semanas eles optaram por desdenhar o imunizante e retardar a compra das vacinas. A demora reduziu a quantidade de vacinas no Brasil.
– Houve demora na adoção de medidas para reposição dos estoques de oxigênio em Manaus e em outros municípios do país. É importante enfatizar que o governo federal não liderou a compra de oxigênio para Manaus
– O Presidente da República vetou medidas importantes aprovadas pelo Congresso sobre a gestão da pandemia, como por exemplo a obrigatoriedade de distribuição de máscaras pelos patrões aos seus funcionários, adiando o início da vigência de medidas básicas e essenciais para prevenção a pandemia, sem ter qualquer orientação ou imperativo legal para isso.
– Sem justificativa, o governo federal ampliou o estoque de cloroquina, mesmo quando já estava provada a sua ineficácia no tratamento.
Já há uma ampla documentação que mostra esta série de ilegalidades, ações e omissões que resultaram nas descabíveis mortes na pandemia. Ou seja, há uma conduta evidentemente letal por parte do Presidente da República e seus assessores, devendo o povo brasileiro ser implacável na cobrança de respostas e soluções. Numa análise mais específica e detida da pandemia, é preciso monitorar passo a passo e não cair em ciladas e distrações. É fundamental nos mantermos focados nos temas centrais da investigação! Quais são as principais perguntas sem respostas?