O Observatório Direitos Humanos, Crise e Covid-19 entrevistou o epidemiologista da FIOCRUZ e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Rômulo Paes de Sousa, e a pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da FIOCRUZ e doutora em Sociologia, Roberta Gondim, que responderam questões sobre as novas variantes do coronavírus (Covid-19) em circulação no Brasil, as possíveis causas do surgimento destas variantes, a campanha de vacinação e as consequências do aumento de casos para a população nas áreas da saúde, economia e educação.

ODH: Como a ciência explica o surgimento da variante BQ.1?

Rômulo Paes: A subvariante BQ.1, e é chamada de subvariante porque descende, como se fosse um filho, da variante BA.5 da Ômicron. Estas variantes BA.5 e BA.4 são hoje as mais presentes em todo o mundo e elas têm tido muito “sucesso” na perspectiva do vírus, ou seja, de se multiplicar e faz isto infectando muitas pessoas, porque esta subvariante possui, no caso da BQ.1, alterações na sua estrutura que torna difícil para o nosso sistema imunológico identificar a presença do vírus e reagir com a sua defesa. Então, o vírus acaba driblando tanto as vacinas quanto a imunidade que nós adquirimos pela possibilidade de termos sido infectados anteriormente. Estas alterações na estrutura do vírus é que o torna muito competente para enganar o nosso sistema de defesa.

ODH: Podemos afirmar que temos uma nova onda da Covid-19 no país?

Rômulo Paes: Nós não podemos ainda afirmar que temos uma nova onda. Nós temos um crescimento de casos em todos os estados brasileiros, temos um crescimento no mundo, mas ainda não temos elementos para formar a convicção de que temos já uma onda. Contudo, no ano passado, neste mesmo período, nós estávamos numa situação melhor. Hoje, o que nós observamos é um crescimento que pode se converter numa onda, portanto, temos que ficar atentos e observar. Por isto que nós temos que adotar medidas de proteção imediatamente. Um erro muito comum na prevenção desta doença é que as pessoas resolvem adotar as medidas de precaução depois que muitos foram infectados e a infecção está correndo solta. Então, usar máscaras, evitar aglomerações, lavar as mãos e manter um distanciamento das pessoas. Estas medidas precisam ser adotadas imediatamente. Lembra da expressão que se falava no início da pandemia de “achatar a curva”? Pois bem, é assim que a gente achata a curva: tomando medidas de precaução logo no início.

Nós podemos ter uma continuidade no aumento de casos e, se isto acontecer, poderemos chegar a uma onda. Neste momento, várias doenças infecciosas respiratórias crescem no Brasil por causa da estação chuvosa, principalmente nas regiões Nordeste e Sudeste.

ODH: As possíveis causas do aumento de infectados pela Covid-19 seriam os 40 milhões de brasileiros(as) que não tomaram nenhuma dose da vacina e os cerca de 90 milhões que tomaram apenas 2 doses?

Rômulo Paes: Quarenta milhões de pessoas não tomaram nenhuma dose e isto é muito preocupante e um pouco surpreendente porque o Brasil não tinha, até muito pouco tempo, movimentos que contestavam a necessidade das vacinas. O Brasil, aliás, é um exemplo de vacinação como, por exemplo, contra o sarampo, que hoje estamos tendo problemas com esta vacinação. O que ocorre é que estas pessoas estão sob risco de apresentarem formas mais graves da doença, porque elas não estão protegidas. Notem que as vacinas que desenvolvemos até o momento são importantes para evitar que a doença progrida e que as pessoas cheguem em sua forma mais grave. Portanto, quem não está protegido está sob este risco.

Agora, esta infecção provocada por esta subvariante BQ.1 não é diferente da infecção provocada por outras variantes ou subvariantes. A sintomatologia que temos observado é mais leve, mas isto em função das pessoas estarem majoritariamente vacinadas e que também, mesmo quando as pessoas desenvolvem uma forma mais grave da doença, os hospitais hoje têm mais domínio de como enfrentar uma situação deste tipo, pois desenvolvemos competência no atendimento hospitalar. Mas, de qualquer forma, a presença destas pessoas não vacinadas ou que foram vacinadas há muito tempo e não receberam as terceira e quarta doses, permite o surgimento de novas variantes e isto acontece não só porque algumas pessoas não foram vacinadas, mas também porque as vacinas perdem a validade ou a capacidade de imunização, após seis meses. É por isto que temos feito reforços.

ODH: Como está a campanha e a vacinação das crianças?

Rômulo Paes: No grupo de pessoas não vacinadas estão as crianças. A nossa cobertura ainda é muito baixa. Entre os menores de 5 anos, apenas 35,6% das crianças no Brasil tomaram duas doses. Isto é muito pouco! Isto indica que as nossas crianças não estão protegidas e isto implica também numa dificuldade que estamos tendo dos pais levarem as crianças para vacinar e que nossa rede de vacinação, que sempre foi muito competente, mas que tem apresentado dificuldades. Nós precisamos superar tudo isto: ter vacinas disponíveis, abrir os centros de saúde no horário que as famílias podem levar as crianças para a vacinação e os responsáveis destas crianças precisam se sentir seguros e devidamente informados para a vacinação das suas crianças.

ODH: O senhor acha necessário que todos(as) tomem a 5ª dose?

Rômulo Paes: Existe uma discussão no mundo sobre a importância e eficácia da quinta dose, porque as vacinas que desenvolvemos e estão disponíveis no Brasil não cobrem as variantes mais novas, mais recentes. Então, há uma limitação de utilizarmos estas vacinas para imunizarem, de forma efetiva, as populações no sentido geral. Precisamos rapidamente do que chamamos de vacinas de segunda geração, aquelas que foram preparadas posteriormente e que já utilizam partes destas variantes e subvariantes e, desta forma, então, operarem sobre o organismo de forma a estimular a defesa contra estas novas variantes e subvariantes. É por isto que a quinta dose, ou seja, a repetição de mais uma vacina que nós já usamos, neste momento, tem um poder mais limitado.

Nosso esforço precisa ser vacinar quem não vacinou e completar as quatro doses de quem ainda não completou.

ODH: Se o número de casos continuar aumentando, na sua opinião, quais as possíveis consequências para a população na saúde, na economia e na educação, por exemplo?

Roberta Gondim: Para qualquer emergência sanitária em que governos não têm respostas ágeis e, ao mesmo tempo, que não levam em consideração a diversificada condição de vida e saúde da população, quem é mais prejudicado nestes momentos de emergência sanitária são as pessoas mais pobres, majoritariamente negras.

Quando algum tipo de repercussão no campo da saúde, da educação, da economia, por conta de toda a nossa estrutura de desigualdades, fundamentalmente de base racial no Brasil, dado o nosso histórico de conformação de país, de base colonial, são estas populações que sofrem primeiro, porque têm menos acesso às ações de promoção e de prevenção, porque há barreiras de acesso, que são também históricas em relação à atenção à saúde, principalmente de maior complexidade. São pessoas que sofrem com baixíssimos salários, estão mais vulneráveis, mais expostas ao vírus. Então, quando há uma emergência sanitária que agudiza uma crise social e econômica é a população, no caso brasileiro, pobre e negra que é mais atingida e mais prejudicada.