Felipe da Silva Freitas*
Os depoimentos da médica Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil e representante do Movimento Alerta e do pesquisador Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas, na CPI da Covid no Senado Federal no dia 24, foram enfáticos em expor as responsabilidades do governo federal no excesso de mortes e evidenciar a urgência de que a CPI e o Poder Judiciário adotem as medidas para corrigir os rumos da gestão em saúde. Na audiência, os convidados destacaram o peso da ação direta do governo na paralisação de iniciativas de controle da pandemia e prevenção de mortes e destacaram a importância de que a CPI não só apure responsabilidades mas também que lidere a construção de um plano de reparação aos familiares das vítimas de Covid-19.
De acordo com o estudo do Grupo Alerta, apresentado por Jurema Werneck, a pandemia provocou, em um ano, 305 mil mortes acima do esperado no Brasil. Conforme o levantamento apresentado, se uma política efetiva de controle tivesse sido implementada, cerca de 120 mil vidas poderiam ter sido poupadas só no ano de 2020.
Uma das evidências apresentadas por Jurema Werneck durante a sua exposição foi, por exemplo, o número de testes aplicados nas 52 semanas iniciais da pandemia. Segundo o estudo Mortes evitáveis de Covid-19, menos de 14% da população brasileira fez testes de diagnóstico para a Covid-19 até novembro de 2020, sendo que dentro desse universo pessoas com renda maior do que quatro salários mínimos consumiram quatro vezes mais testes do que pessoas que receberam menos de meio salário mínimo. Ou seja, não foram adotadas sequer medidas elementares de controle de doenças infecciosas: testagem, rastreamento de contágio e isolamento dos contaminados, conforme foi apontado no informe do Observatório Direitos Humanos Crise e Covid-19.
Outro aspecto destacado foi o peso da desigualdade no agravamento da crise. Segundo Pedro Hallal os indígenas, por exemplo, têm, em média, cinco vezes mais risco de se infectarem que os brancos, enquanto os negros têm o dobro de chances. Ou seja, havia dentro da sociedade brasileira elementos de desigualdade que não estavam sendo controlados pelo governo e que vinham ampliando a exposição destes grupos sociais de modo exponencial.
Todavia, o tema da desigualdade racial na infecção por covid-19 teria sido objeto de censura por parte do governo federal, que teria vetado a apresentação dos dados sobre a desigualdade racial na contaminação contidos no estudo coordenado por Hallal com financiamento do Ministério da Saúde. Segundo o pesquisador, minutos anos da atividade realizada no Palácio do Planalto o governo federal teria impedido que os pesquisadores explorassem no evento os dados que mostram que negros e indígenas estavam mais expostos à contaminação. Uma censura negacionista típica de projetos racistas e autoritários.
Além disso, o governo também decidiu interromper, sem qualquer justificativa técnica, o monitoramento por meio do Epicovid, que era um projeto por meio do qual a UFPel trabalhava no inquérito epidemiológico da Covid-19. Os prejuízos desta decisão são evidentes e certamente tiveram real e efetivo impacto no quadro de mais de 500 mil mortes por covid-19 no Brasil.
A audiência também foi importante para apontar a responsabilidade direta do Presidente da República não só no sentido político, mas a responsabilidade jurídica efetiva administrativa e criminal. “Uma coisa é a responsabilização do governo federal, que é muito nítida nos dados apresentados por nós. Mas eu tenho muito mais tranquilidade de dizer que um pedaço dessas mortes é de responsabilidade direta do Presidente da República” disse o epidemiologista Pedro Hallal.
Mais do que denúncias, a audiência pública apontou um caminho para a constituição de políticas de reparação e para realização de mudanças de caráter estrutural. Nas palavras de Jurema Werneck: “Vários países corrigiram sua rota. O Brasil precisa corrigir sua rota com urgência. Não há justificativa para a persistência no erro. Já há evidências de que a persistência no erro gera mortes.”
* Felipe da Silva Freitas é doutor em direito pela Universidade de Brasília e pesquisador do Observatório Direitos Humanos Crise e Covid-19.