Observatório Direitos Humanos Crise e Covid-19 apresenta Informe a organizações internacionais sobre desigualdade na vacinação no Brasil. Quilombolas e população privada de liberdade constam nos grupos prioritários mas não recebem os imunizantes

O Brasil ultrapassou a marca de 540 mil mortes pela Covid-19. Estamos presenciando, há mais de um ano, a necropolítica do atual governo que vitimiza, em sua maioria, a população negra e pobre do país. A instauração da CPI da Covid é fundamental para averiguar as omissões e negligências do governo federal e os efeitos devastadores da pandemia no país, mas inúmeras perguntas não vêm sendo respondidas, a exemplo da desigualdade na vacinação de quilombolas e população em privação de liberdade. 

Diversas organizações e movimentos sociais vêm denunciando as ações genocidas do Presidente e seus aliados. Com o intuito de mitigar os efeitos da pandemia nas regiões brasileiras e na busca pela responsabilização dos culpados pelos crimes que estão sendo cometidos pela atual gestão pública,  o Observatório Direitos Humanos Crise e Covid-19 produziu um Informe denunciando as violações de direitos no Brasil. O documento é destinado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e à Organização das Nações Unidas (ONU). 

O Informe tem como objetivo sistematizar as análises formuladas pelas organizações que integram o Observatório sobre violações de direitos ocorridas no contexto da pandemia da Covid-19, com destaque para os temas relativos à desigualdade no processo de vacinação, ataque à liberdade, aos processos de desdemocratização e aos processos de precarização dos serviços públicos e dos direitos sociais.


Desigualdade no processo de vacinação

A implementação do Plano Nacional de Vacinação (PNI) criou uma agenda nacional de vacinações, centralizada pelo Ministério da Saúde e operacionalizada por meio dos municípios. Até 2003, 77% dos imunobiológicos utilizados eram de laboratórios brasileiros, fazendo com o que o Brasil fosse reconhecido como um dos melhores países do mundo no campo da pesquisa e cobertura vacinal, atingindo 70% da população nos últimos 10 anos.

Porém, conforme mostra o estudo Balanço da Política Brasileira de Vacinas: Omissões do governo federal na gestão em saúde no contexto da pandemia, a partir de 2016 os índices de vacinação começaram a decair em todo o país. Em 2020, primeiro ano da pandemia da Covid-19 e segundo ano do governo de Jair Bolsonaro, o país teve o seu segundo pior desempenho vacinal da década (66,42%), o que certamente importou sérios agravos e sobrecarga à saúde pública, em um momento em que a rede já estava a beira de um colapso total. O governo recusou diversas tentativas de compra das vacinas e a diplomacia do Brasil com a China não foi nada favorável para os acordos de compra da CoronaVac. 

Além dos erros na aquisição das vacinas, o Brasil também falhou no planejamento da vacinação. Em levantamento realizado pelo Observatório em março de 2021 a partir dos dados disponíveis nos sites das secretarias estaduais e municipais de saúde, nos sites específicos para informações oficiais sobre o coronavírus vinculados a essas secretarias, nos sites das prefeituras ou governos estaduais quanto aos planos de imunização foi possível constatar o baixo grau de transparência na gestão da saúde durante a pandemia e as vacilações quanto à priorização dos grupos para o processo de vacinação.

Por não haver uma consonância entre a gestão federal, estadual e municipal, cada estado e município têm realizado o processo de vacinação dos grupos prioritários de forma dissonante, e mesmo estando presentes no público prioritário no Plano de Vacinação, alguns grupos estão inseridos apenas nas etapas finais da imunização o que, na prática, resulta numa não prioridade. É o caso da população privada de liberdade. Apesar de estar inserida no público prioritário de 14 unidades da federação, em seis delas a previsão de vacinação é apenas para a fase 4 e em oito estados não havia sequer previsão de fase de vacinação. 

Não bastasse a inferiorização no Plano de Vacinação, em 8 de julho de 2021, a ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunização (PNI), do Ministério da Saúde, Francieli Fontana Fantinato, afirmou à CPI da Covid que Elcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, pediu para não incluir a população carcerária entre os grupos prioritários.

Em relação aos povos quilombolas, segundo o Boletim Epidemiológico publicado no dia 1º de julho pela CONAQ, há municípios que ainda não receberam as doses da vacina com a justificativa de que os estados não fizeram o repasse ou que não há imunizantes disponíveis. A quantidade de vacinas da AstraZeneca/Oxford disponibilizada pelo Ministério da Saúde, com base no contingente populacional quilombola estimado pelo IBGE, não é suficiente, pois, conforme alertado pela CONAQ, o número apresentado pelo IBGE subestima amplamente o real número de quilombolas no país.


Violações de direitos humanos no contexto da pandemia: ataques à liberdade, problemas no acesso a direitos e na oferta de serviços públicos

O Observatório tem denunciado, desde a sua criação, inúmeras violações de direitos ocorridas durante a pandemia da Covid-19. As violações acirradas no contexto da pandemia remetem a problemas estruturais da sociedade brasileira e aceleram processos de violência, exclusão e desigualdade ao tempo em que atingem mais fortemente os grupos sociais historicamente excluídos, com destaque para negros e negras, mulheres, povos e comunidades tradicionais, pessoas com deficiência e moradores do campo e das periferias das cidades. 

Em relação aos ataques à liberdade de expressão e acesso à informação, de acordo com dados  do relatório Infodemia e a Covid-19: a informação como instrumento contra mitos produzido pela organização, ARTIGO 19,  85% dos pedidos feitos Lei de Acesso se enquadram neste cenário de falta de informação segura aliada à desinformação, 35%  tiveram classificação de informação desonesta e  25% foram classificados como desinformação intencional. Ou seja, a desinformação e os ataques ao direito de acesso à informação são práticas dos governos, em especial do governo federal, caracterizando uma infodemia quando multiplicam-se rumores e desinformação, disseminados de maneira dolosa, acerca de um tema específico da vida social. 


Ataques a defensoras e defensores de direitos humanos

Outro aspecto grave no contexto de restrição das liberdade no Brasil diz respeito à questão dos ataques à vida e à integridade de lutadores/as sociais e defensores/as de direitos humanos. Um levantamento realizado pela Justiça Global e FIDH, entre março e agosto de 2020, revelou que 92 defensores perderam suas vidas para a Covid-19. Além disso, madeireiros, grileiros, garimpeiros e outros perpetradores têm se aproveitado do contexto da pandemia e do clima antidireitos, imposto por setores políticos conservadores e antidemocráticos, para ameaçar, atacar e matar defensoras e defensores de direitos humanos, que já vivem sob condições extremas.


Serviços públicos e Direitos Sociais no contexto da pandemia

O documento rememora a aprovação, em 2016, da Emenda Constitucional 96 que criou um novo regime fiscal e impôs uma redução do tamanho relativo do Estado para os vinte anos seguintes com drástica redução no investimento em políticas sociais. Tal ação resultou no sucateamento das instituições públicas. Faltam vagas, faltam equipamentos, falta democratização.

A precarização do acesso à saúde, justiça, educação, moradia e alimentação adequada passaram por fortes restrições em termos de prestações de serviços, o que impacta diretamente nas condições reais de vida da população e, por conseguinte, no modo pelo qual o país enfrenta a pandemia e seus agravos na vida social.

O sucateamento e a desvalorização da saúde pública trouxe consequências fatais. Hoje o Brasil contabiliza quase 540 mil vidas perdidas pela Covid-19. Durante o primeiro ano da pandemia o país assistiu a um efetivo apagão de dados, sem acesso a políticas de testagem em massa, sem iniciativas de rastreamento do contágio e, o mais grave, com discursos públicos de combate às medidas de isolamento social. 

Conforme o Observatório Direitos Humanos Crise e Covid-19 relatou no informe sobre serviços públicos durante a pandemia, em abril de 2020, o estado do Maranhão teve que elaborar uma agressiva estratégia de diplomacia comercial para adquirir respiradores na China e evitar o colapso de saúde no estado, uma vez que não havia política federal para apoiar a compra dos equipamentos. Além disso, o governo federal não investiu em campanhas de informação sobre a prevenção e vacinação contra o vírus. 

Neste cenário de violações no período pandêmico, o Informe também aborda questões como o aumento da violência contra mulheres, violência policial, direito à moradia e à educação. Fica evidente a ausência do Estado na efetivação de políticas e serviços públicos de qualidade, e seu protagonismo no projeto de genocídio da população brasileira. 


Alma Preta

Leia na íntegra a reportagem do Alma Preta Covid-19: descaso do governo com quilombolas e população carcerária é denunciado na ONU, com base em nosso Informe.

O Observatório produz e sistematiza informações referentes aos direitos humanos no contexto da pandemia do Coronavírus no Brasil. Fazem parte:

– Anistia Internacional

– Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB)

– Articulação de redes e entidades nacionais para o enfrentamento da pandemia nas periferias e grupos vulneráveis.

– Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)

– Artigo 19

– Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT)

– Associação dos Jovens Indígenas Tapeba – CE

– Associação Juízes para a Democracia (AJD)

– Campanha Despejo Zero

– Cedeca Gloria de Ivone, TO – Observatório Popular de Direitos Humanos

– Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará – Cedenpa

– Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea)

– Cineclube Comunitário do Povo/Comitê de Solidariedade do Povo – BA

– Coalizão Negra de Direitos

– Coletivo Feminista Helen Keller de Mulheres com Deficiência

– Conectas

– Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq)

– Criola

– Eu Amo Minha Quebrada – BH 

– Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso (FDHT)

– Fórum Nacional em Defesa do Sistema Único de Assistência Social e da Seguridade Social

– Geledés Instituto da Mulher Negra

– Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

– Justiça Global

– Movimento de Defesa dos Direitos dos Moradores em Núcleos Habitacionais de S. André – MDDF/SP

– Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)

– Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

– Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

– Nós, mulheres da Periferia – SP

– Núcleo de Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do Paraná

– Núcleo de Prática Jurídica da UFPR

– Observa Pop Rua -DF

– Observatório do Marajó 

– Observatório Popular de Direitos Humanos de Pernambuco (OPDH)

– Observatório – UNICAMP

– Plataforma Brasileira de Direitos Humanos (DHESCA)

– SOS Corpo

– SOS Providência – RJ

– Teia Solidariedade da Zona Oeste – RJ

– Terra de Direitos